Perdemos o respeito?

Perdemos o respeito?

Comparações com o passado inevitavelmente passam pelo filtro "Meia Noite em Paris", se você nunca assistiu o filme de Woody Allen, vou tentar não comprometer a experiência com spoilers.

O filme trata de um sujeito que ao caminhar à noite pela Cidade Luz depois do jantar, encontra uma charrete visivelmente de algumas décadas atrás e os ocupantes perguntam ao protagonista se ele gostaria de dar uma volta.

Sem saber se se trata de um sonho, o nosso sujeito, representado pelo ator Owen Wilson é levado a um café e nesse café ele encontra figuras do passado como Picasso, Dalí, Hemingway, gente desse quilate.

E um dos pontos da conversa com essas personalidades é o quão bom era viver "no passado". "Os anos 50 eram lindos, como eu queria ter vivido nessa era onde todo mundo se arrumava e era elegante", diz um personagem em uma passagem do filme.

Outro personagem fala da renascença e de como as pessoas eram mais esforçadas, Michelangelo por exemplo construiu a sua obra prima Pietà com 24 anos, e por aí vai.

Esse é um filtro que ajuda muito a selecionar aqueles pensamentos que invariavelmente chegam e romantizam viver em alguma outra era. "Como eu queria ter vivido no Rio de Janeiro da Bossa Nova" é um dos pensamentos que me vêm à cabeça quando penso nisso.

Suspeito que tenha a ver muito mais como uma ilusão nossa esse tipo de pensamento, como o próprio filme retrata com personalidades insatisfeitas com o período que nasceram, porque afinal sabemos que a) sob todos os indicadores "palpáveis", vivemos na era em que se vive mais e supostamente melhor - esse último termo sendo objeto de grandes discussões e b) nossa mente muitas vezes deleta as dificuldades e deixa os momentos bons na memória, nos "traindo" e dando a impressão de que o passado era bom e que o presente e o futuro, piores.

 Essa é uma discussão ótima para um papo de bar, algo que sempre fica na minha cabeça, e recentemente o Fernando Meligeni, que tem coberto o calendário de tênis na ESPN como comentarista, fez um comentário sobre o que chamamos de respeito.

Em resumo, depois de uma batalha de mais de 5 horas em quadra para ganhar o seu 21º Grand Slam em Melbourne de seu oponente 10 anos mais novo, Rafael Nadal estava pedalando na sala de descompressão do torneio para "soltar", como se diz na gíria do tratamento esportivo, uma técnica para relaxar os músculos depois de um grande esforço.

Eis que aparece entrando no ambiente o ex-tenista Rod Laver, um senhor de 83 anos que além de deter 11 títulos de Grand Slams, possui diversos recordes e inclusive dá o nome da quadra na qual Rafael Nadal havia ganhado sua batalha para se tornar o jogador mais vitorioso da história do esporte.

Ao ver Rod Laver se aproximando de sua bicicleta ergométrica, Nadal pára o exercício e sai da bicicleta para se aproximar e conversar por alguns minutos com Rod Laver.

Neste momento da transmissão, Meligeni comenta o quão bonita é a cena, ver o maior jogador a ter jogado o esporte, depois da 2ª mais longa final jogada em um jogo de tênis, aos 35 anos e vindo de lesões que ele mesmo não sabia se conseguiria voltar a jogar, prestar essa deferência e respeito a alguém que contribuiu tanto para o esporte como Rod Laver.

Em seguida, Meligeni comenta uma cena que presenciou em um evento de tênis no Brasil recentemente, em que ele estava com o Guga e eles foram conversar com uma geração de tenistas mais novos, em um ambiente e situações parecidas com o encontro de Nadal e Laver, mas com posturas bem diferentes por parte de quem tinha muito mais para ouvir de Guga do que Nadal possivelmente teria para ouvir de Laver.

E aí, o quê mudou? Perdemos mesmo o respeito de outras eras ou temos a ilusão de que isso era diferente?

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